quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A dádiva da dor

“Sejamos agradecidos por ter Deus inventado a  dor. Ele  não poderia ter feito coisa melhor”. Dr. Paul Brand

Como engolir essa frase quando você acorda de manhã e cada partícula do seu corpo dói? Quando você se vê catando os cacos do seu coração? Quando a dor e a amargura te prendem ao passado? Quando você perde aquela pessoa ou coisa que mais amava?
Aos dois anos de idade me queixava e chorava, eventualmente, de dores nas pernas; o médico dizia que era a “dor do crescimento”. Aos seis anos simplesmente fui dormir bem e acordei sem poder pisar no chão. Iniciou-se minha maratona de idas aos médicos, exames, procedimentos dolorosos, dúvidas, internações e muita dor. Recebi diagnósticos dos mais diversos, incluindo doença psicossomática, até que, aos 19 anos, ao ser internada num hospital em estado gravíssimo por um mês, recebi um diagnóstico: eu tinha a mutação c677t – eu era homozigótica do gene MTHFR. Esses números e letras não faziam muito sentido para mim, até finalmente eu entender que o meu corpo tinha uma deficiência genética que fazia o sangue produzir coágulos.
Depois deste diagnóstico fui submetida ao tratamento, o qual sigo até hoje e provavelmente seguirei pelo resto da minha vida, entretanto, continuei sentindo dores nas pernas e na região pélvica, e então me deparei com outro diagnostico: uma endometriose severa que me deixou aparentemente infértil. Passei por sete procedimentos cirúrgicos e senti muita dor desde sempre. Como consequência de uma das tromboses que tive nas pernas, fiquei um semestre de cadeira de rodas; perdi as contas de quantas internações, especialistas, tratamentos especializados e remédios. Me tornei íntima desta palavrinha tão pequena, com tão grandes consequências: dor! E a dor me ensinou algumas coisas que hoje aplico em minha vida pessoal.
A primeira coisa que aprendi é que se faz necessário repensar a dor. Dr Paul Brand diz[1] que “a dor avisa  o  corpo  dos  iminentes  ou  atuais  perigos. O sentimento da dor força o corpo a concentrar-se na área  em que há algum problema e a reagir  de  acordo.  Às  vezes,  a reação é quase inconsciente”. O autor do pensamento acima trabalhou a vida toda com pessoas portadoras de hanseníase (que nos tempos biblicos era chamada de lepra). Essa doença cruel destroi as vias sensoriais da dor. O mal de Hansen age primeiramente como anestésico,  amortecendo  as células de dor das mãos,  pés,  nariz,  ouvidos  e  olhos.  Ironicamente a qualidade anestésica do mal de Hansen é justamente a razão pela qual surge a tão falada destruição e  decomposição dos tecidos. O que falta é o sistema de alerta à dor. Ele descobriu como a ausência da dor traz danos irreversíveis a esses pacientes e trabalhou anos em um projeto com a finalidade de criar um sistema artificial da dor. Dr Paul Brand percebeu que esse sistema tinha que doer, tinha que ser algo fora do nosso controle porque, se não, seria facilmente ignorado. Vendo por esse prisma, entendemos que a dor é realmente planejada para que  a vida seja possível neste planeta  hostil.
A dor, portanto, não é o grande erro de Deus. É uma  dádiva, (mesmo que ninguém a deseje). “Mais do que nunca, a dor  deve  ser  compreendida como uma estrutura de comunicação. É  ela  que  une  o  nosso corpo, preservando  simultaneamente os diversos    órgãos e consolidando-os  para o objetivo comum da proteção... a dor cumpre a sua missão de alertar o organismo de uma séria enfermidade”.
Minha vida nunca foi igual a de garotas da minha idade. Tudo o que eu tentava fazer tinha um ônus muito maior por causa das dores constantes. Mesmo assim cursei a universidade, fiz mestrado em outra capital, morei sozinha, casei, fiz doutorado, trabalho como psicoterapeuta, ministro palestras para mulheres com ênfase em espiritualidade, faço aulas de piano, cuido da minha casa e ainda tenho um cachorro (!).   
Não nego que muitas vezes eu quis parar; Jogar tudo para o alto, mas Deus nunca permitiu. Eu aprendi a viver um dia de cada vez. Deus oferece as saídas e o consolo para a nossa dor. Hoje eu espero e oro por cura completa da parte de Deus para o meu corpo, mas quero permitir que, enquanto isso, Ele cure minha alma, meu caráter. Um homem de Deus disse uma vez: “Ter fé quando não há milagres é um milagre maior do que fé para operar milagres”.
Hoje sigo servindo ao Senhor. Faço tudo com um certo grau de dificuldade, mas também com muita alegria. Sei que um dia tudo isso vai acabar. Terei novo corpo, novo nome, nova vida. Um dia as lágrimas cessarão, os gemidos não se ouvirão mais. Chegará o fim de tudo e, paradoxalmente, tudo estará, finalmente, começando!




[1] A dádiva da dor: por que sentimos dor e o que podemos fazer a respeito / Philip Yancey, Paul Brand; traduzido por Neyd Siqueira. - São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

11 comentários:

  1. Você é o protótipo de uma "mais que vencedor(a)" e admiro sua força, sua disposição em crescer sempre, sem nunca desistir. Você é exemplo, tanto eu, como outras pessoas qdo sentimos nossas dores lembro de você, de Cassandra, que têm vencido os limites das dores e sempre perseverando no autor e consumador de nossa fé. Parabéns princesa linda,Deus continue te abençoando e derramando sabedoria do alto sobre você.

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  2. Se não for pra arrasar, você nem escreve né? Sua vida e sua sensibilidade para ouvir a voz de Deus serão sempre inspiração pra mim. :) Te amo aninha.

    Sua ex eterna discípula e filha,

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  3. Ana, impactante e inspiradora a sua história. A sua serenidade em meio às lutas só confirma de onde vem a sua força.
    Impressionante a sua capacidade de tocar no coração das mulheres, sua delicadeza, seu carisma e ao mesmo tempo a sua base e profundidade na Palavra encanta a todas.
    Você é preciosa, benção,
    Emanuele Oliveira Solyom

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  4. Dra Ana , sem palavras. Fiquei muito emocionada ao ler o seu relato. Aprendo muito com sua história de vida. Agradeço a Deus pela oportunidade de te conhecer. Sinto o quanto sua vida é cheia da presença de Deus. És uma inspiração pra mim. Deus abençoe sua vida. E mais uma vez obrigada!

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    1. Obrigada querida!!Louvo a Deus pelo privilégio de servi-lo!
      Grande abraço.

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  5. Linda história! Vc é um exemplo! Como não aprender com você? Seja em meio a dor, nas alegrias, num compartilhar. Amo demais você amiga! É assim, que Seus te usa, usa a sua dor para consolar as dores de muitos e assim, o nome Dele é glorificado. Te amo amiga!

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  6. Dou glórias a Deus por sua vida irmã, e porque decidiste ser uma filha que crê no amor do Pai, e espera o que Ele tem para nós. Estou indicando teu texto para minha família que está enfrentando direta e indiretamente muita dor neste momento em razão de um acidente.
    Na paz do nosso Mestre,
    Eliane

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