sexta-feira, 6 de abril de 2018

Sobre as pausas da vida


“Quando ele abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por cerca de meia hora”. Apocalipse 8.1.
        
Minha vida foi marcada por muitas pausas. Períodos na cama, sem poder desenvolver minhas atividades normais, tudo parado, silêncio. Por esses dias eu estava na aula de piano e minha professora me chamou atenção para a pausa que apontava na partitura. Eu a ignorava e ela passava despercebida. Depois da segunda repreensão ela me olhou com aqueles olhos que só as professoras de piano tem (ela é um amor! Melhor professora ever!), e disse com toda naturalidade: “Ana, pausa também é música”. Quase não consegui mais tocar. Fiquei pensando na realidade disso e como isso vai para além do âmbito musical. Pausa faz parte da vida, porque a vida é feita de ciclos e cada um deles tem os momentos de espera e confusão, períodos de não sabermos qual o próximo passo.
O problema é que somos seres controladores por natureza, ninguém escapa. Ficamos tentando antever, estar um passo à frente, ignorar as pausas. Aí a coisa complica. Quando as ignoramos, a música perde seu ritmo, fica truncada, mais feia, mais difícil de ser continuada. Para haver música é necessário haver silêncio e “No som do silêncio, a essência de todos os inaudíveis sons” (Ruy Barrozo) emerge.
É assim na nossa jornada com Deus também. Muitas vezes Ele não fala. Quando eu era adolescente li um livro que nunca esqueci: Por que Deus fica em silêncio quando mais precisamos dEle, de James Long. Como esse livro marcou minha relação com Deus! O que Deus está tentando nos dizer quando permanece calado? “Quando, por qualquer razão, a voz de Deus não parecer clara, podemos encobrir o silêncio e preencher os espaços vazios para Ele ou podemos prestar atenção cuidadosamente para o que Ele possa estar tentando nos ensinar através do silêncio”.
Tenho percebido que, no silencio, podemos ir para dois lados extremos: assumimos a liderança da comunicação ou criamos amargura por sua revelação incompleta. Confesso que já fui para ambos os lados. “Não quer falar comigo, então, também não quero falar contigo. Corta aqui”. De nada me aproveitou.
Por causa da minha historia de vida, devo ter lido o livro de Jó dezenas de vezes. Interessante que ele tem 42 capítulos e Deus só vai falar no finalzinho, no trigésimo oitavo. Além disso, Ele não responde as indagações de Jó, apenas o coloca em seu lugar e restaura sua sorte. Um “recolha-se a sua insignificância” foi emitido junto com um “eu renovo todas as coisas”. Deus tremendo!
“Viver é tatear um labirinto de questões dolorosas e respostas parciais” (James Long). Nada mais correto que isso. É fato que muitas vezes não o ouvimos porque estamos distraídos, porque colocamos palavras em sua boca, porque não aprendemos a falar a mesma língua. Às vezes não temos ouvidos para ouvir; em outras ocasiões, ele se cala mesmo e precisamos aguardar. Nessa hora, o que já sabemos de Deus, o que Ele já nos falou, nos ajuda a superar os momentos de silêncio, nos quais não temos respostas.
         Deus é verbo. Ele fala! Alguns cientistas afirmam que a menor partícula do universo, o quark, é uma espécie de vibração sonora e está associada à criação de tudo que existe. Incrível! Gênesis nos conta que tudo foi criado através da palavra. “E disse Deus: Haja luz. E houve luz!”. Deus é um ser de linguagem! A questão é que o silêncio faz parte dela. Assim como não existe dia sem noite, nem alegria sem tristeza, também não tem como haver palavra, sem o silêncio.
         Na verdade, não é fácil suportá-lo. Os psicanalistas dizem que essa é a prerrogativa de um bom analista, a de saber ouvir o silêncio. Já tive experiências incríveis com Deus; muito Ele já me falou, mas, ultimamente, em meio a muitas decisões difíceis a tomar, não o ouço. Não tenho vivido uma vida de pecado, não deixei de buscá-lo, mas tenho experimentado dias silenciosos.
Lembro, contudo, que há muitos anos atrás o Senhor me deu o texto de Apocalipse (escrito acima) me mostrando que, muitas vezes o silêncio é um prenúncio de algo extraordinário, do descortinar do ‘novo’ de Deus; uma mudança de ciclo, de fase. Antes do toque das trombetas, reina o silêncio total.
Diante do caminho que não vislumbro, das escolhas que não consigo fazer, da angústia diante do incerto, do desconhecido, oro para Deus falar e, enquanto o Pai não fala, paro para ouvir o silêncio e, parando para ouvi-lo, espero extrair dele, som.