segunda-feira, 4 de junho de 2018

Marche!

      Tenho passado por um momento muito conturbado. Mudanças, transições, escolhas difíceis, dor física intensa. Foi aí que vi, numa série de televisão, a representação do povo de Israel no momento da abertura do mar vermelho. O povo estava entre a imensidão do mar e o exército egípcio, encurralado. As pessoas começaram a murmurar, como era de costume, a cobrar de seu líder; não tinham pra onde fugir; iriam morrer no deserto; seriam extintos da face da terra. Porém, Moisés se separa do grupo e começa a pedir direção a Deus. Ele responde as pessoas: "Não tenham medo. Fiquem firmes e vejam o livramento que o Senhor lhes trará hoje, porque vocês nunca mais verão os egípcios que hoje veem. O Senhor lutará por vocês; tão somente acalmem-se. Disse então, o Senhor a Moisés: Por que você está clamando a mim? Diga ao meu povo que marche"!    
Veja que curioso. Se eu fosse Moisés, diria: ‘Mas marchar pra onde? Você não está vendo que não temos para onde ir?’ O mar ainda não se havia aberto e Deus estava pedindo ao povo para seguir. Parecia óbvio para Deus que o povo deveria continuar, mas para o povo, o óbvio era: “vamos morrer aqui porque não temos para onde ir”.
Observe que nessa situação tudo depende da perspectiva, não é mesmo? Depois disso, acontece a cena tão esperada: Moisés faz o que Deus ordena e o Mar Vermelho é aberto. O povo fica maravilhado e atravessa com os pés enxutos.
Essa cena me emocionou e me fez pensar bastante. Remeteu-me ao filme ‘Procurando Nemo’. Esse desenho tem coisas preciosas pra nos ensinar. A peixinha Dori, querendo animar a galera em meio à adversidade canta com alegria seu bordão: “continue a nadar, continue a nadar”. Vi a versão em espanhol e, nesse idioma a frase de efeito faz muito mais sentido porque ocorre um trocadilho muito interessante: as expressões “Nada farei” (nada harei) e “nadarei” tem a mesma sonoridade nessa língua. A sábia Dori queria mostrar que é necessário continuar nadando mesmo quando não se sabe ou não há o que fazer. 
Essa parece ser a mesma lógica usada por Deus. “Diga ao meu povo que marche!” Mesmo sem saber pra onde ir, devemos continuar seguindo adiante, sem deixar a dor paralisar, sem se desesperar, sem se render. Ele pode abrir o mar, pode nos fazer andar por sobre as águas, não importa. Marche! Deus dará o livramento em algum momento. Há dias que não quero sair da cama, não quero continuar. Quero ficar no automático, sobreviver, mas creio que há muito mais na vida do que apenas viver. Deus nos chama para marchar com Ele. Para ver suas maravilhas.
         Tenho atravessado um momento em que me sinto encurralada, sob muita pressão, no meio do deserto entre o mar e o exército inimigo. Tenho chorado muito, sem vontade de fazer nada, tentando encontrar aquela alegria que me é tão peculiar. Nenhum dos meus problemas se resolveu, não sei quais decisões tomar e não vi a porta de saída, mas tenho entendido que Deus me pede para marchar. Mesmo sem saber aonde vou parar, mesmo que ainda não tenha visto o milagre, preciso continuar.
         Há um louvor muito lindo que permeou minha infância e choro de emoção sempre que me lembro dele:
“Marcharemos cheios de coragem,
 Te seguiremos, seja aonde for.
 Embora a dor nos cerque na viagem,     
                    Marcharemos na coragem do Senhor”.
Tenho dito a minha alma todos os dias: ‘Não se desespere! Marche!’ Enquanto marcho, espero ver meu Messias abrir o mar. Espero.


sábado, 12 de maio de 2018

Confissões de uma mãe


Oi meu filho...
Que lindo presente você me deu hoje. Que lindas poesias você apresentou na igreja, para mim e eu só chorei, como sempre. Minhas lagrimas, entre risos manchavam os meus óculos e a maquiagem.
Porque será meu filho que no dia das mães, justo no dia das mães, quando ganho tantos presentes, quando sou tão homenageada, este é o dia que eu mais choro?
         Será pela consciência de que eu não sou exatamente a mãe meiga que você canta nas suas canções? A lembrança das vezes que eu berrei com você por causa de um copo de leite derramado me constrange e envergonha horrivelmente.
Quando você quase me endeusa dizendo que eu sou o seu amor perfeito, um pedacinho de Deus em você, meu coração se consome em agonia, pois me lembro das vezes em que o meu amor falhou, em que a disciplina foi aplicada com ira e egoísmo, em que os beijos foram trocados por insultos e rixas.
         Ah, meu filho...Quão difícil é, para mim, ouvir você dizer que eu lhe dedico todo o meu tempo, toda a minha vida sem querer nada em troca e eu choro, comovida pela sua inocência, pois você nem imagina quantas vezes meu coração se encheu de tristeza e ressentimento por achar que eu perdera a minha identidade, uma carreira de sucesso, por ter filhos e cuidar deles. O mercado de consumo, através das propagandas de tv seduziram-me muitas vezes e eu relutei entre pagar a sua escola e adquirir algumas roupas novas para mim.
         Ouvindo você chamar-me de rainha do lar eu me lembro quantas vezes eu tive vontade de largar tudo e buscar minha realização pessoal, profissional e financeira. E quando você ainda era um bebê e mamava a noite inteira, eu me enternecia, mas só até bater o sono e o cansaço e, então, me revoltava por não poder dormir. Quanto me custaram aquelas noites de sono perdido, muito mais por causa do remorso daquelas lembranças.
Quando você cresceu e começou a andar e a quebrar coisas, a fazer birra, roer unhas, a teimar e chorar de noite, a ter medo do escuro e ir para a minha cama e eu não tinha tempo, energia e nem maturidade para entender suas fases, seus medos, suas incertezas, e quantas vezes eu ralhava com você, na minha impaciência.
Quando você me diz que a minha comida é a melhor do mundo o meu coração pesa pensando que, muitas vazes eu a fiz chateada, temperada com ansiedade e amargura.
Será que eu choro, meu filho, pensando na mãe maravilhosa que eu poderia ser e não fui? Pensando na mulher virtuosa e incansável descrita no livro de Provérbios, que eu não consigo alcançar?  Choro pelas minhas fraquezas, meu cansaço, meus desejos não realizados, minhas frustrações, pelo medo de continuar falhando e pela certeza de que eu já falhei? Pelo desespero de ter causado males irremediáveis em sua personalidade?
Ah, meu filho, nas suas musiquinhas você só diz coisas lindas de mim. Você não fala dos meus descontroles, dos meus gritos, das minhas rixas, dos meus sermões, da minha indiferença, das minhas precipitações. Você não fala da minha soberba, pois nem desconfia que, muitas vezes eu quis me realizar em você, por isso exigi tanto que você fosse o melhor.
Você não manifesta o meu lado ruim. Fielmente continua me amando e sentindo a minha falta. A necessidade que temos um do outro é indescritível e também angustiante. Se você adoece, eu estremeço, e o meu medo de perder você me reduz a nada. Se você fracassa, o fracasso é meu, e se você chora, essas lagrimas são minhas. Se você viaja, leva em sua bagagem o meu coração. Se você é ultrajado, eu é que fico infeliz.
Você representa para mim toda a alegria. Ser sua mãe e ter essa afinidade tão profunda com você me enche de uma felicidade incalculável. Saber que a relação de mãe e filho é a relação mais poderosa do universo me enche de responsabilidades e cuidados. Sou tão feliz por ser sua e você ser meu, que quando lhe aconchego em meus braços sinto que nada nem ninguém poderia dissolver esse elo.

Talvez seja por isso que eu choro, meu filho. Choro porque, apesar de estar tão longe da perfeição a que você me atribui, mesmo assim, Deus me deu a honra de ter você. De exercer o papel de mãe em sua vida. Eu choro porque mesmo não tendo condições de ser o amor perfeito, conheço aquele que sabe amar perfeita e incondicionalmente e pode minorar os nossos sofrimentos, perdoar e apagar as marcas dos nossos pecados. Eu choro meu filho, pedindo a Deus, comovida, que ele faça de mim a mãe que você precisa, me ajudando a cumprir essa difícil tarefa de lhe criar e fazer de você um ser humano equilibrado e digno, cheio de fé e amor ao próximo. Eu choro, quase conformada, porque sei que ser mãe é difícil e eu passarei o resto da vida aprendendo.  Eu sei que só há no mundo uma coisa mais difícil do que ser mãe: é não ser mãe! Muito grata a Deus por ser mãe e ter todos os dias minhas esperanças renovadas, pela misericórdia de Deus!

Texto escrito pela minha mãe querida. Maria do Socorro Torres!

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Sobre as pausas da vida


“Quando ele abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por cerca de meia hora”. Apocalipse 8.1.
        
Minha vida foi marcada por muitas pausas. Períodos na cama, sem poder desenvolver minhas atividades normais, tudo parado, silêncio. Por esses dias eu estava na aula de piano e minha professora me chamou atenção para a pausa que apontava na partitura. Eu a ignorava e ela passava despercebida. Depois da segunda repreensão ela me olhou com aqueles olhos que só as professoras de piano tem (ela é um amor! Melhor professora ever!), e disse com toda naturalidade: “Ana, pausa também é música”. Quase não consegui mais tocar. Fiquei pensando na realidade disso e como isso vai para além do âmbito musical. Pausa faz parte da vida, porque a vida é feita de ciclos e cada um deles tem os momentos de espera e confusão, períodos de não sabermos qual o próximo passo.
O problema é que somos seres controladores por natureza, ninguém escapa. Ficamos tentando antever, estar um passo à frente, ignorar as pausas. Aí a coisa complica. Quando as ignoramos, a música perde seu ritmo, fica truncada, mais feia, mais difícil de ser continuada. Para haver música é necessário haver silêncio e “No som do silêncio, a essência de todos os inaudíveis sons” (Ruy Barrozo) emerge.
É assim na nossa jornada com Deus também. Muitas vezes Ele não fala. Quando eu era adolescente li um livro que nunca esqueci: Por que Deus fica em silêncio quando mais precisamos dEle, de James Long. Como esse livro marcou minha relação com Deus! O que Deus está tentando nos dizer quando permanece calado? “Quando, por qualquer razão, a voz de Deus não parecer clara, podemos encobrir o silêncio e preencher os espaços vazios para Ele ou podemos prestar atenção cuidadosamente para o que Ele possa estar tentando nos ensinar através do silêncio”.
Tenho percebido que, no silencio, podemos ir para dois lados extremos: assumimos a liderança da comunicação ou criamos amargura por sua revelação incompleta. Confesso que já fui para ambos os lados. “Não quer falar comigo, então, também não quero falar contigo. Corta aqui”. De nada me aproveitou.
Por causa da minha historia de vida, devo ter lido o livro de Jó dezenas de vezes. Interessante que ele tem 42 capítulos e Deus só vai falar no finalzinho, no trigésimo oitavo. Além disso, Ele não responde as indagações de Jó, apenas o coloca em seu lugar e restaura sua sorte. Um “recolha-se a sua insignificância” foi emitido junto com um “eu renovo todas as coisas”. Deus tremendo!
“Viver é tatear um labirinto de questões dolorosas e respostas parciais” (James Long). Nada mais correto que isso. É fato que muitas vezes não o ouvimos porque estamos distraídos, porque colocamos palavras em sua boca, porque não aprendemos a falar a mesma língua. Às vezes não temos ouvidos para ouvir; em outras ocasiões, ele se cala mesmo e precisamos aguardar. Nessa hora, o que já sabemos de Deus, o que Ele já nos falou, nos ajuda a superar os momentos de silêncio, nos quais não temos respostas.
         Deus é verbo. Ele fala! Alguns cientistas afirmam que a menor partícula do universo, o quark, é uma espécie de vibração sonora e está associada à criação de tudo que existe. Incrível! Gênesis nos conta que tudo foi criado através da palavra. “E disse Deus: Haja luz. E houve luz!”. Deus é um ser de linguagem! A questão é que o silêncio faz parte dela. Assim como não existe dia sem noite, nem alegria sem tristeza, também não tem como haver palavra, sem o silêncio.
         Na verdade, não é fácil suportá-lo. Os psicanalistas dizem que essa é a prerrogativa de um bom analista, a de saber ouvir o silêncio. Já tive experiências incríveis com Deus; muito Ele já me falou, mas, ultimamente, em meio a muitas decisões difíceis a tomar, não o ouço. Não tenho vivido uma vida de pecado, não deixei de buscá-lo, mas tenho experimentado dias silenciosos.
Lembro, contudo, que há muitos anos atrás o Senhor me deu o texto de Apocalipse (escrito acima) me mostrando que, muitas vezes o silêncio é um prenúncio de algo extraordinário, do descortinar do ‘novo’ de Deus; uma mudança de ciclo, de fase. Antes do toque das trombetas, reina o silêncio total.
Diante do caminho que não vislumbro, das escolhas que não consigo fazer, da angústia diante do incerto, do desconhecido, oro para Deus falar e, enquanto o Pai não fala, paro para ouvir o silêncio e, parando para ouvi-lo, espero extrair dele, som.

sábado, 23 de dezembro de 2017

Não há lugar

"E ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem" Lucas 2:7.



O natal está chegando e com ele recebemos uma enxurrada de informações. Presentes, família, propagandas bonitas, luzes, símbolos e, no final, pouco significado. Há alguns que até falam do menino Jesus, do verdadeiro sentido do natal e da necessidade de fazer o bem ao próximo. Vê-se presépios ao longo do caminho intercalados por papai noel e bonecos de neve. Outros simplesmente não comemoram a data argumentando que Cristo não nasceu nesse dia e que não se há nada a celebrar. O índice de suicídio aumenta e enquanto uns curtem a família e comidas gostosas, outros estão sozinhos mesmo que, eventualmente, cercados de pessoas.
Gasta-se mais do que se pode, escuta-se as mesmas piadas, presencia-se brigas, desgastes, risadas soltas, lava-se roupa suja, coopera-se. Cada um vive uma realidade. Cada ano o natal pode fazer um novo sentido. Esse ano estou na minha terra natal, juntos com os meus, numa rede a beira mar pensando em Maria e José ouvindo vez após outra: não há lugar!
Não havia lugar para o menino Jesus! Ele nasceu numa estrebaria malcheirosa porque não tinha espaço na estalagem. Naquela época as pessoas já tinham que lidar com “hotéis” lotados. Imaginem a angústia de Maria prestes a dar à luz sem ter aonde, dando de cara com a porta.
Penso que o natal tem a ver com lugar. Não um espaço geográfico, não importa onde você esteja ou com quem. Tem relação com um lugar subjetivo, com identidade. Só se vive o natal quando o menino Jesus acha morada no coração. Ele bate na porta e ela se abre. Ele acha espaço e se aninha derramando sua própria vida dada por mim e por todos aqueles que o convidam a ceiar. Ele renasce em cada vida e cada casa que se dispõe a recebe-lo.
Não sei se você tem parentes, uma arvore bonita ou comidas gostosas, mas sei que seu natal será completo se tiver lugar na sua estrebaria para Jesus nascer. Não somos uma estalagem. Somos malcheirosos, ruins, pó! Mas é nesse lugar que Ele quer nascer. Limpando nosso caos, fazendo a esperança florescer. Sempre lembro do corinho que cantei muitos anos atrás em uma cantata de natal da igreja: deixe Jesus nascer hoje em seu coração, deixe Jesus nascer. Deixe jesus nascer hoje em seu coração, deixe Jesus nascer. Passado e presente são iguais e o futuro não tem nenhum valor, se você não entrega o seu coração, sua vida é vazia e sem amor...
É NATAL! O Rei que nasceu tem um lugar na sua vida, em sua mesa? Deixe ele entrar e ceiar com você!


sábado, 25 de novembro de 2017

Como superar as adversidades da vida

Todos nós estamos fadados a sofrer a nossa quota de dor, seja física ou emocional. Podemos fingir que não sofremos e fazer da vida um desfile na Sapucaí, mas a dor estará lá, à espreita, e vai aparecer na hora em que não esperamos. Como nos portar diante da dor? Como superar as adversidades da vida?
Antes de pensarmos em transcender a dor, precisamos olhar sua origem, suas causas. C. S Lewis nos diz que o ser humano é responsável por quatro quintos do seu próprio sofrimento. A maioria das nossas doenças e problemas são motivados pelas nossas escolhas e pelo ambiente doentio que criamos para nós mesmos. Na nossa luta pelo controle, brigamos sutilmente ou ferozmente pelo poder e machucamos a nós mesmos ou aos outros. Charles Swindoll em seu livro em busca do caráter lembra-nos das quatro coisas que costuma nos mover: fama, poder, dinheiro e prazer.
Onde encontraríamos respostas e consolo, senão na Palavra de Deus? “E não somente isto, mas nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança, e a perseverança experiência e a experiência, esperança” (Rm. 5.3-4). “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós para as coisas que se veem, mas para as que não se veem, porque as que se veem são temporais, as que não se veem são eternas” (II Co. 4.17).
Jesus nos dá um manual de sobrevivência. E nós, como devemos lidar com a dor? Primeiro com resiliência: “Aquele que perseverar até o fim será salvo” – diz a Palavra. Não vou entrar no mérito teológico desse versículo; irei usá-lo como aplicação apenas para o nosso pensamento sobre a dor. O texto não diz: ‘se você for bem-sucedido, se fizer tudo muito bem’ ... diz apenas: “se perseverar até o fim”. No nosso pensamento sobre dor é isso o que acontece: a necessidade de permanecer firme, de percorrer a distância necessária para chegar lá aonde Deus quer que você chegue! Uma palavra legal para isso é “garra” (unhas afiadas para ficar agarrado a beira do rochedo e não cair). Tá doendo, tô caindo, mas tenho garras afiadas e vou me segurar! É certo que a dor nos deixa mais fortes internamente.
Segundo, devemos lidar com a dor, cheios de fé. Viver pela fé é entender a verdade da nossa fraqueza. A dor é uma força poderosa que nos empurra para uma determinada direção. Ela pode nos guiar para a maturidade e sabedoria, ou para o desespero e alienação. Não é o fato de sofrer que nos torna melhores ou piores, mas o que fazemos com o sofrimento. C. S Lewis nos diz que: “o bem perfeito de uma criatura consiste em se entregar ao seu criador”. Viver pela fé é entender que algumas situações não têm cura. Temos que aceitá-las como são confiando em Deus. A coisa mais importante que Deus nos concedeu para que o sofrimento nos faça crescer, ao invés de nos derrotar, é a sua presença. Quando estiver sofrendo volte-se para ele e peça para Ele ser sua força. Ele não quer que neguemos nossa dor; quer nos dar forças para enfrentá-la e suportá-la. Sofrer não é uma opção, mas a forma de sofrer é uma escolha nossa.
Viver pela fé é entender que muitas vezes Deus quer curar o nosso caráter e para isso ele as vezes precisa enfermar o nosso corpo. Há ocasiões em que, para que meu espírito aprenda a humildade, a paciência e o quebrantamento eu tenho que sofrer dor. Nesse caso, Deus enferma o corpo para curar a alma. “O espírito humano jamais renunciará a sua voluntariedade enquanto tudo estiver bem com ele. O sofrimento é o megafone de Deus para despertar um mundo surdo” (C. S. Lewis).
Viver pela fé é entender também que o Pai quer nos usar para ajudar outros. Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; Que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus. Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é abundante a nossa consolação por meio de Cristo” (II Co. 1.3-5).
Lembro-me agora da história de Jó. Alguém chamou a sua dor de ‘dor terapêutica’. “Deus queria dar a ser servo Jó a chance de manifestar o seu compromisso com Ele, queria desenvolver seu caráter mais ainda, queria abrir-lhe a visão para que ela se tornasse uma cosmovisão, queria revelar-lhe sua própria natureza como Deus”. Larry Crabb nos diz ainda que, geralmente, “a nossa maior luta é nos livrar da dor, ao invés de utilizar a dor para lutar mais apaixonadamente com as coisas do caráter e dos propósitos divinos”. Deus nos convida a encontrá-lo, sabendo que nesse processo encontramos a nós mesmos. Às vezes Deus faz isso pela via da dor, do sofrimento, da enfermidade.
Terceiro ponto, Deus quer que lidemos com a dor, cheios de esperança. Devemos buscar ao Senhor entendendo que Ele é galardoador dos que o buscam. “Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança” (Rm 15:4).
Com fé, resiliência e esperança podemos enfrentar cada adversidade que se impõe a nós e seguir adiante e não raro é possível olhar para o que ficou para trás e discernir o propósito de Deus no nosso sofrimento. O próprio Jó foi aconselhado a ter esperança porque um dia ele “esqueceria de todos os seus sofrimentos e só se lembraria deles como águas passadas” (Jó 11.16). A promessa vai além: “A tua vida será mais clara do que o meio dia e ainda que haja trevas, será como a manhã.” (Jó. 11.17).

Deus tem propósito para cada um de nós: Nos levar a ser conforme a imagem do seu Filho Jesus. Essa é uma dura jornada, mas Ele também tem promessa: “Estarei contigo todos os dias”. Sofrer, com essa presença acaba não ficando assim tão difícil.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A dádiva da dor

“Sejamos agradecidos por ter Deus inventado a  dor. Ele  não poderia ter feito coisa melhor”. Dr. Paul Brand

Como engolir essa frase quando você acorda de manhã e cada partícula do seu corpo dói? Quando você se vê catando os cacos do seu coração? Quando a dor e a amargura te prendem ao passado? Quando você perde aquela pessoa ou coisa que mais amava?
Aos dois anos de idade me queixava e chorava, eventualmente, de dores nas pernas; o médico dizia que era a “dor do crescimento”. Aos seis anos simplesmente fui dormir bem e acordei sem poder pisar no chão. Iniciou-se minha maratona de idas aos médicos, exames, procedimentos dolorosos, dúvidas, internações e muita dor. Recebi diagnósticos dos mais diversos, incluindo doença psicossomática, até que, aos 19 anos, ao ser internada num hospital em estado gravíssimo por um mês, recebi um diagnóstico: eu tinha a mutação c677t – eu era homozigótica do gene MTHFR. Esses números e letras não faziam muito sentido para mim, até finalmente eu entender que o meu corpo tinha uma deficiência genética que fazia o sangue produzir coágulos.
Depois deste diagnóstico fui submetida ao tratamento, o qual sigo até hoje e provavelmente seguirei pelo resto da minha vida, entretanto, continuei sentindo dores nas pernas e na região pélvica, e então me deparei com outro diagnostico: uma endometriose severa que me deixou aparentemente infértil. Passei por sete procedimentos cirúrgicos e senti muita dor desde sempre. Como consequência de uma das tromboses que tive nas pernas, fiquei um semestre de cadeira de rodas; perdi as contas de quantas internações, especialistas, tratamentos especializados e remédios. Me tornei íntima desta palavrinha tão pequena, com tão grandes consequências: dor! E a dor me ensinou algumas coisas que hoje aplico em minha vida pessoal.
A primeira coisa que aprendi é que se faz necessário repensar a dor. Dr Paul Brand diz[1] que “a dor avisa  o  corpo  dos  iminentes  ou  atuais  perigos. O sentimento da dor força o corpo a concentrar-se na área  em que há algum problema e a reagir  de  acordo.  Às  vezes,  a reação é quase inconsciente”. O autor do pensamento acima trabalhou a vida toda com pessoas portadoras de hanseníase (que nos tempos biblicos era chamada de lepra). Essa doença cruel destroi as vias sensoriais da dor. O mal de Hansen age primeiramente como anestésico,  amortecendo  as células de dor das mãos,  pés,  nariz,  ouvidos  e  olhos.  Ironicamente a qualidade anestésica do mal de Hansen é justamente a razão pela qual surge a tão falada destruição e  decomposição dos tecidos. O que falta é o sistema de alerta à dor. Ele descobriu como a ausência da dor traz danos irreversíveis a esses pacientes e trabalhou anos em um projeto com a finalidade de criar um sistema artificial da dor. Dr Paul Brand percebeu que esse sistema tinha que doer, tinha que ser algo fora do nosso controle porque, se não, seria facilmente ignorado. Vendo por esse prisma, entendemos que a dor é realmente planejada para que  a vida seja possível neste planeta  hostil.
A dor, portanto, não é o grande erro de Deus. É uma  dádiva, (mesmo que ninguém a deseje). “Mais do que nunca, a dor  deve  ser  compreendida como uma estrutura de comunicação. É  ela  que  une  o  nosso corpo, preservando  simultaneamente os diversos    órgãos e consolidando-os  para o objetivo comum da proteção... a dor cumpre a sua missão de alertar o organismo de uma séria enfermidade”.
Minha vida nunca foi igual a de garotas da minha idade. Tudo o que eu tentava fazer tinha um ônus muito maior por causa das dores constantes. Mesmo assim cursei a universidade, fiz mestrado em outra capital, morei sozinha, casei, fiz doutorado, trabalho como psicoterapeuta, ministro palestras para mulheres com ênfase em espiritualidade, faço aulas de piano, cuido da minha casa e ainda tenho um cachorro (!).   
Não nego que muitas vezes eu quis parar; Jogar tudo para o alto, mas Deus nunca permitiu. Eu aprendi a viver um dia de cada vez. Deus oferece as saídas e o consolo para a nossa dor. Hoje eu espero e oro por cura completa da parte de Deus para o meu corpo, mas quero permitir que, enquanto isso, Ele cure minha alma, meu caráter. Um homem de Deus disse uma vez: “Ter fé quando não há milagres é um milagre maior do que fé para operar milagres”.
Hoje sigo servindo ao Senhor. Faço tudo com um certo grau de dificuldade, mas também com muita alegria. Sei que um dia tudo isso vai acabar. Terei novo corpo, novo nome, nova vida. Um dia as lágrimas cessarão, os gemidos não se ouvirão mais. Chegará o fim de tudo e, paradoxalmente, tudo estará, finalmente, começando!




[1] A dádiva da dor: por que sentimos dor e o que podemos fazer a respeito / Philip Yancey, Paul Brand; traduzido por Neyd Siqueira. - São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Sobre um ano velho e um Deus compensa(DOR)

“Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram para si cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” Jeremias 2:13.

Esse texto estava na ponta da agulha há muitos dias, mas não conseguia terminar. Me vi paralisada pelo cansaço do ano velho e pela expectativa do ano que se iniciou cheio de surpresas, fadiga e trabalho.
Nessa época do ano é quase impossível não fazermos uma retrospectiva. Sendo sujeitos faltantes, costumamos pensar mais nas dores, do que nas alegrias; nos apertos, do que nos livramentos; nos desprazeres, do que nos prazeres; nos desentendimentos, do que nos atos de amor. Costumamos ver o ponto preto e ignoramos a imensidão da folha branca.
Esperamos que o ano seguinte traga melhores momentos, mais contentamento. Às vezes nos perdemos no obscuro das impossibilidades e buscamos compensações emocionais que nos adoecem. Comemos demais, nos metemos em mais atividades do que podemos dar conta, esperamos muito dos nossos pares. Despejamos nossas carências e aguardamos que algo nos supra, encobrindo nossa dor. Cavamos para nós “cisternas rotas que não retém água”. Esperamos que o marido, os filhos, o trabalho, os prazeres ou a confiança em nós mesmos preencham o vazio do nosso coração. Quando estamos sofrendo, a situação piora. Pensamos que algo ou alguém tem obrigação de atenuar nosso sofrimento. Julgamos merecer alívio.
Nosso Deus nos promete ser para nós e em nós um manancial de água viva. Ele é fonte de conforto, é um Deus compensaDOR e por isso,   apesar das dores que nos sobrevêm Ele nos compensa com outras alegrias: A mãe que luta com seu filho enfermo descobre nos irmãos da igreja amor e suporte; A estéril produz vida ao liberar amor; o que luta pela sobrevivência possui filhos honrados; a esposa que batalha pelo seu casamento acha uma amiga confidente, uma parceira de oração.       
“Ao aceitar sem repulsa as dores da vida, poderemos encontrar o inesperado. Ao convidar Deus para participar de nossas dificuldades fundamentaremos nossa vida – até mesmo seus momentos tristes – em alegria e esperança” (Henri Nouwen em ‘Transforma meu pranto em dança’- Ps: você precisa ler esse livro. É maravilhoso)
Confesso que ainda me sinto paralisada e nem um pouco pronta pra iniciar o ano, mas hoje acordei e fui louvar. Minha vontade era de ficar na cama e empurrar tudo com a barriga, mas fui oferecer “sacrifícios de louvor”. Fui adorar mesmo com a sensação de que não havia nada em mim para dar, mesmo sem vontade, mesmo sem alegria. Aí o louvor fez seu trabalho, ministrou ao meu coração, me fez tirar os olhos de mim e colocá-los no autor e consumador da minha fé. Minha boca se encheu de alegria e fui lamentar. Sim, você não leu errado. Fui LAMENTAR. “Lamentar significa enfrentar o que nos fere na presença daquele que pode nos curar” (Nouwen). Não fui resmungar, não fui desabafar. Fui lamentar. Não fui fazer uso da cisterna. Fui ao manancial. Lá sempre tem água, tem vida, tem poder pra curar e libertar.
Quando me rendo e desisto de me compensar, de buscar satisfação nas coisas e pessoas, me deparo com um Deus compensaDOR. Ele compensou José após seus anos na cadeia, compensou Davi após anos de batalhas, compensou Elias com parceiros de luta após seu período de depressão, compensou Ester, Rute, Noemi e está sempre presente. Deixe que Ele seja teu Deus, deixe que ele compense a sua dor do jeito dele, deixe que Ele jorre rios de águas vivas em seu interior. Nos momentos de angústia, lembre-se: Você tem um Deus compensa(DOR). Olhe em volta e veja o que Ele está fazendo, veja o manancial no deserto e rios no ermo. Veja o que você tem ganhado e não apenas o que tem perdido.