segunda-feira, 4 de junho de 2018

Marche!

      Tenho passado por um momento muito conturbado. Mudanças, transições, escolhas difíceis, dor física intensa. Foi aí que vi, numa série de televisão, a representação do povo de Israel no momento da abertura do mar vermelho. O povo estava entre a imensidão do mar e o exército egípcio, encurralado. As pessoas começaram a murmurar, como era de costume, a cobrar de seu líder; não tinham pra onde fugir; iriam morrer no deserto; seriam extintos da face da terra. Porém, Moisés se separa do grupo e começa a pedir direção a Deus. Ele responde as pessoas: "Não tenham medo. Fiquem firmes e vejam o livramento que o Senhor lhes trará hoje, porque vocês nunca mais verão os egípcios que hoje veem. O Senhor lutará por vocês; tão somente acalmem-se. Disse então, o Senhor a Moisés: Por que você está clamando a mim? Diga ao meu povo que marche"!    
Veja que curioso. Se eu fosse Moisés, diria: ‘Mas marchar pra onde? Você não está vendo que não temos para onde ir?’ O mar ainda não se havia aberto e Deus estava pedindo ao povo para seguir. Parecia óbvio para Deus que o povo deveria continuar, mas para o povo, o óbvio era: “vamos morrer aqui porque não temos para onde ir”.
Observe que nessa situação tudo depende da perspectiva, não é mesmo? Depois disso, acontece a cena tão esperada: Moisés faz o que Deus ordena e o Mar Vermelho é aberto. O povo fica maravilhado e atravessa com os pés enxutos.
Essa cena me emocionou e me fez pensar bastante. Remeteu-me ao filme ‘Procurando Nemo’. Esse desenho tem coisas preciosas pra nos ensinar. A peixinha Dori, querendo animar a galera em meio à adversidade canta com alegria seu bordão: “continue a nadar, continue a nadar”. Vi a versão em espanhol e, nesse idioma a frase de efeito faz muito mais sentido porque ocorre um trocadilho muito interessante: as expressões “Nada farei” (nada harei) e “nadarei” tem a mesma sonoridade nessa língua. A sábia Dori queria mostrar que é necessário continuar nadando mesmo quando não se sabe ou não há o que fazer. 
Essa parece ser a mesma lógica usada por Deus. “Diga ao meu povo que marche!” Mesmo sem saber pra onde ir, devemos continuar seguindo adiante, sem deixar a dor paralisar, sem se desesperar, sem se render. Ele pode abrir o mar, pode nos fazer andar por sobre as águas, não importa. Marche! Deus dará o livramento em algum momento. Há dias que não quero sair da cama, não quero continuar. Quero ficar no automático, sobreviver, mas creio que há muito mais na vida do que apenas viver. Deus nos chama para marchar com Ele. Para ver suas maravilhas.
         Tenho atravessado um momento em que me sinto encurralada, sob muita pressão, no meio do deserto entre o mar e o exército inimigo. Tenho chorado muito, sem vontade de fazer nada, tentando encontrar aquela alegria que me é tão peculiar. Nenhum dos meus problemas se resolveu, não sei quais decisões tomar e não vi a porta de saída, mas tenho entendido que Deus me pede para marchar. Mesmo sem saber aonde vou parar, mesmo que ainda não tenha visto o milagre, preciso continuar.
         Há um louvor muito lindo que permeou minha infância e choro de emoção sempre que me lembro dele:
“Marcharemos cheios de coragem,
 Te seguiremos, seja aonde for.
 Embora a dor nos cerque na viagem,     
                    Marcharemos na coragem do Senhor”.
Tenho dito a minha alma todos os dias: ‘Não se desespere! Marche!’ Enquanto marcho, espero ver meu Messias abrir o mar. Espero.


sábado, 12 de maio de 2018

Confissões de uma mãe


Oi meu filho...
Que lindo presente você me deu hoje. Que lindas poesias você apresentou na igreja, para mim e eu só chorei, como sempre. Minhas lagrimas, entre risos manchavam os meus óculos e a maquiagem.
Porque será meu filho que no dia das mães, justo no dia das mães, quando ganho tantos presentes, quando sou tão homenageada, este é o dia que eu mais choro?
         Será pela consciência de que eu não sou exatamente a mãe meiga que você canta nas suas canções? A lembrança das vezes que eu berrei com você por causa de um copo de leite derramado me constrange e envergonha horrivelmente.
Quando você quase me endeusa dizendo que eu sou o seu amor perfeito, um pedacinho de Deus em você, meu coração se consome em agonia, pois me lembro das vezes em que o meu amor falhou, em que a disciplina foi aplicada com ira e egoísmo, em que os beijos foram trocados por insultos e rixas.
         Ah, meu filho...Quão difícil é, para mim, ouvir você dizer que eu lhe dedico todo o meu tempo, toda a minha vida sem querer nada em troca e eu choro, comovida pela sua inocência, pois você nem imagina quantas vezes meu coração se encheu de tristeza e ressentimento por achar que eu perdera a minha identidade, uma carreira de sucesso, por ter filhos e cuidar deles. O mercado de consumo, através das propagandas de tv seduziram-me muitas vezes e eu relutei entre pagar a sua escola e adquirir algumas roupas novas para mim.
         Ouvindo você chamar-me de rainha do lar eu me lembro quantas vezes eu tive vontade de largar tudo e buscar minha realização pessoal, profissional e financeira. E quando você ainda era um bebê e mamava a noite inteira, eu me enternecia, mas só até bater o sono e o cansaço e, então, me revoltava por não poder dormir. Quanto me custaram aquelas noites de sono perdido, muito mais por causa do remorso daquelas lembranças.
Quando você cresceu e começou a andar e a quebrar coisas, a fazer birra, roer unhas, a teimar e chorar de noite, a ter medo do escuro e ir para a minha cama e eu não tinha tempo, energia e nem maturidade para entender suas fases, seus medos, suas incertezas, e quantas vezes eu ralhava com você, na minha impaciência.
Quando você me diz que a minha comida é a melhor do mundo o meu coração pesa pensando que, muitas vazes eu a fiz chateada, temperada com ansiedade e amargura.
Será que eu choro, meu filho, pensando na mãe maravilhosa que eu poderia ser e não fui? Pensando na mulher virtuosa e incansável descrita no livro de Provérbios, que eu não consigo alcançar?  Choro pelas minhas fraquezas, meu cansaço, meus desejos não realizados, minhas frustrações, pelo medo de continuar falhando e pela certeza de que eu já falhei? Pelo desespero de ter causado males irremediáveis em sua personalidade?
Ah, meu filho, nas suas musiquinhas você só diz coisas lindas de mim. Você não fala dos meus descontroles, dos meus gritos, das minhas rixas, dos meus sermões, da minha indiferença, das minhas precipitações. Você não fala da minha soberba, pois nem desconfia que, muitas vezes eu quis me realizar em você, por isso exigi tanto que você fosse o melhor.
Você não manifesta o meu lado ruim. Fielmente continua me amando e sentindo a minha falta. A necessidade que temos um do outro é indescritível e também angustiante. Se você adoece, eu estremeço, e o meu medo de perder você me reduz a nada. Se você fracassa, o fracasso é meu, e se você chora, essas lagrimas são minhas. Se você viaja, leva em sua bagagem o meu coração. Se você é ultrajado, eu é que fico infeliz.
Você representa para mim toda a alegria. Ser sua mãe e ter essa afinidade tão profunda com você me enche de uma felicidade incalculável. Saber que a relação de mãe e filho é a relação mais poderosa do universo me enche de responsabilidades e cuidados. Sou tão feliz por ser sua e você ser meu, que quando lhe aconchego em meus braços sinto que nada nem ninguém poderia dissolver esse elo.

Talvez seja por isso que eu choro, meu filho. Choro porque, apesar de estar tão longe da perfeição a que você me atribui, mesmo assim, Deus me deu a honra de ter você. De exercer o papel de mãe em sua vida. Eu choro porque mesmo não tendo condições de ser o amor perfeito, conheço aquele que sabe amar perfeita e incondicionalmente e pode minorar os nossos sofrimentos, perdoar e apagar as marcas dos nossos pecados. Eu choro meu filho, pedindo a Deus, comovida, que ele faça de mim a mãe que você precisa, me ajudando a cumprir essa difícil tarefa de lhe criar e fazer de você um ser humano equilibrado e digno, cheio de fé e amor ao próximo. Eu choro, quase conformada, porque sei que ser mãe é difícil e eu passarei o resto da vida aprendendo.  Eu sei que só há no mundo uma coisa mais difícil do que ser mãe: é não ser mãe! Muito grata a Deus por ser mãe e ter todos os dias minhas esperanças renovadas, pela misericórdia de Deus!

Texto escrito pela minha mãe querida. Maria do Socorro Torres!

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Sobre as pausas da vida


“Quando ele abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por cerca de meia hora”. Apocalipse 8.1.
        
Minha vida foi marcada por muitas pausas. Períodos na cama, sem poder desenvolver minhas atividades normais, tudo parado, silêncio. Por esses dias eu estava na aula de piano e minha professora me chamou atenção para a pausa que apontava na partitura. Eu a ignorava e ela passava despercebida. Depois da segunda repreensão ela me olhou com aqueles olhos que só as professoras de piano tem (ela é um amor! Melhor professora ever!), e disse com toda naturalidade: “Ana, pausa também é música”. Quase não consegui mais tocar. Fiquei pensando na realidade disso e como isso vai para além do âmbito musical. Pausa faz parte da vida, porque a vida é feita de ciclos e cada um deles tem os momentos de espera e confusão, períodos de não sabermos qual o próximo passo.
O problema é que somos seres controladores por natureza, ninguém escapa. Ficamos tentando antever, estar um passo à frente, ignorar as pausas. Aí a coisa complica. Quando as ignoramos, a música perde seu ritmo, fica truncada, mais feia, mais difícil de ser continuada. Para haver música é necessário haver silêncio e “No som do silêncio, a essência de todos os inaudíveis sons” (Ruy Barrozo) emerge.
É assim na nossa jornada com Deus também. Muitas vezes Ele não fala. Quando eu era adolescente li um livro que nunca esqueci: Por que Deus fica em silêncio quando mais precisamos dEle, de James Long. Como esse livro marcou minha relação com Deus! O que Deus está tentando nos dizer quando permanece calado? “Quando, por qualquer razão, a voz de Deus não parecer clara, podemos encobrir o silêncio e preencher os espaços vazios para Ele ou podemos prestar atenção cuidadosamente para o que Ele possa estar tentando nos ensinar através do silêncio”.
Tenho percebido que, no silencio, podemos ir para dois lados extremos: assumimos a liderança da comunicação ou criamos amargura por sua revelação incompleta. Confesso que já fui para ambos os lados. “Não quer falar comigo, então, também não quero falar contigo. Corta aqui”. De nada me aproveitou.
Por causa da minha historia de vida, devo ter lido o livro de Jó dezenas de vezes. Interessante que ele tem 42 capítulos e Deus só vai falar no finalzinho, no trigésimo oitavo. Além disso, Ele não responde as indagações de Jó, apenas o coloca em seu lugar e restaura sua sorte. Um “recolha-se a sua insignificância” foi emitido junto com um “eu renovo todas as coisas”. Deus tremendo!
“Viver é tatear um labirinto de questões dolorosas e respostas parciais” (James Long). Nada mais correto que isso. É fato que muitas vezes não o ouvimos porque estamos distraídos, porque colocamos palavras em sua boca, porque não aprendemos a falar a mesma língua. Às vezes não temos ouvidos para ouvir; em outras ocasiões, ele se cala mesmo e precisamos aguardar. Nessa hora, o que já sabemos de Deus, o que Ele já nos falou, nos ajuda a superar os momentos de silêncio, nos quais não temos respostas.
         Deus é verbo. Ele fala! Alguns cientistas afirmam que a menor partícula do universo, o quark, é uma espécie de vibração sonora e está associada à criação de tudo que existe. Incrível! Gênesis nos conta que tudo foi criado através da palavra. “E disse Deus: Haja luz. E houve luz!”. Deus é um ser de linguagem! A questão é que o silêncio faz parte dela. Assim como não existe dia sem noite, nem alegria sem tristeza, também não tem como haver palavra, sem o silêncio.
         Na verdade, não é fácil suportá-lo. Os psicanalistas dizem que essa é a prerrogativa de um bom analista, a de saber ouvir o silêncio. Já tive experiências incríveis com Deus; muito Ele já me falou, mas, ultimamente, em meio a muitas decisões difíceis a tomar, não o ouço. Não tenho vivido uma vida de pecado, não deixei de buscá-lo, mas tenho experimentado dias silenciosos.
Lembro, contudo, que há muitos anos atrás o Senhor me deu o texto de Apocalipse (escrito acima) me mostrando que, muitas vezes o silêncio é um prenúncio de algo extraordinário, do descortinar do ‘novo’ de Deus; uma mudança de ciclo, de fase. Antes do toque das trombetas, reina o silêncio total.
Diante do caminho que não vislumbro, das escolhas que não consigo fazer, da angústia diante do incerto, do desconhecido, oro para Deus falar e, enquanto o Pai não fala, paro para ouvir o silêncio e, parando para ouvi-lo, espero extrair dele, som.