“Sejamos agradecidos por
ter Deus inventado a dor. Ele não poderia ter feito coisa melhor”. Dr. Paul
Brand
Como
engolir essa frase quando você acorda de manhã e cada partícula do seu corpo
dói? Quando você se vê catando os cacos do seu coração? Quando a dor e a amargura
te prendem ao passado? Quando você perde aquela pessoa ou coisa que mais amava?
Aos
dois anos de idade me queixava e chorava, eventualmente, de dores nas pernas; o
médico dizia que era a “dor do crescimento”. Aos seis anos simplesmente fui
dormir bem e acordei sem poder pisar no chão. Iniciou-se minha maratona de idas
aos médicos, exames, procedimentos dolorosos, dúvidas, internações e muita dor.
Recebi diagnósticos dos mais diversos, incluindo doença psicossomática, até que,
aos 19 anos, ao ser internada num hospital em estado gravíssimo por um mês,
recebi um diagnóstico: eu tinha a mutação c677t – eu era homozigótica do gene
MTHFR. Esses números e letras não faziam muito sentido para mim, até finalmente
eu entender que o meu corpo tinha uma deficiência genética que fazia o sangue
produzir coágulos.
Depois
deste diagnóstico fui submetida ao tratamento, o qual sigo até hoje e
provavelmente seguirei pelo resto da minha vida, entretanto, continuei sentindo
dores nas pernas e na região pélvica, e então me deparei com outro diagnostico:
uma endometriose severa que me deixou aparentemente infértil. Passei por sete
procedimentos cirúrgicos e senti muita dor desde sempre. Como consequência de uma
das tromboses que tive nas pernas, fiquei um semestre de cadeira de rodas;
perdi as contas de quantas internações, especialistas, tratamentos
especializados e remédios. Me tornei íntima desta palavrinha tão pequena, com
tão grandes consequências: dor! E a dor me ensinou algumas coisas que hoje aplico
em minha vida pessoal.
A primeira coisa que aprendi é que se faz necessário repensar
a dor. Dr Paul Brand diz[1] que “a dor avisa o
corpo dos iminentes
ou atuais perigos. O sentimento da dor força o corpo a
concentrar-se na área em que há algum
problema e a reagir de acordo.
Às vezes, a reação é quase inconsciente”. O autor do
pensamento acima trabalhou a vida toda com pessoas portadoras de hanseníase
(que nos tempos biblicos era chamada de lepra). Essa doença cruel destroi as
vias sensoriais da dor. O mal de Hansen age primeiramente como anestésico, amortecendo
as células de dor das mãos,
pés, nariz, ouvidos
e olhos. Ironicamente a qualidade anestésica do mal de
Hansen é justamente a razão pela qual surge a tão falada destruição e decomposição dos tecidos. O que falta é o
sistema de alerta à dor. Ele descobriu como a ausência da dor traz danos
irreversíveis a esses pacientes e trabalhou anos em um projeto com a finalidade
de criar um sistema artificial da dor. Dr Paul Brand percebeu que esse sistema
tinha que doer, tinha que ser algo fora do nosso controle porque, se não, seria
facilmente ignorado. Vendo por esse prisma, entendemos que a dor é realmente
planejada para que a vida seja possível
neste planeta hostil.
A dor, portanto, não é o grande erro de Deus. É uma dádiva, (mesmo que ninguém a deseje). “Mais
do que nunca, a dor deve ser
compreendida como uma estrutura de comunicação. É ela
que une o
nosso corpo, preservando
simultaneamente os diversos
órgãos e consolidando-os para o
objetivo comum da proteção... a dor cumpre a sua missão de alertar o organismo
de uma séria enfermidade”.
Minha
vida nunca foi igual a de garotas da minha idade. Tudo o que eu tentava fazer
tinha um ônus muito maior por causa das dores constantes. Mesmo assim cursei a
universidade, fiz mestrado em outra capital, morei sozinha, casei, fiz
doutorado, trabalho como psicoterapeuta, ministro palestras para mulheres com
ênfase em espiritualidade, faço aulas de piano, cuido da minha casa e ainda
tenho um cachorro (!).
Não
nego que muitas vezes eu quis parar; Jogar tudo para o alto, mas Deus nunca
permitiu. Eu aprendi a viver um dia de cada vez. Deus oferece as saídas e o
consolo para a nossa dor. Hoje eu espero e oro por cura completa da parte de
Deus para o meu corpo, mas quero permitir que, enquanto isso, Ele cure minha
alma, meu caráter. Um homem de Deus disse uma vez: “Ter fé quando não há
milagres é um milagre maior do que fé para operar milagres”.
Hoje
sigo servindo ao Senhor. Faço tudo com um certo grau de dificuldade,
mas também com muita alegria. Sei que um dia tudo isso vai acabar. Terei novo
corpo, novo nome, nova vida. Um dia as lágrimas cessarão, os gemidos não se
ouvirão mais. Chegará o fim de tudo e, paradoxalmente, tudo estará, finalmente,
começando!
[1] A dádiva da dor: por que sentimos dor e o que podemos fazer
a respeito / Philip Yancey, Paul Brand; traduzido por Neyd Siqueira. - São Paulo: Mundo Cristão, 2005.